quarta-feira, 30 de junho de 2010

Santa Cerva. Parte 2. A cerveja dos eleitos !


Amigas e amigos, meu blog mal começou e já está um pouco parado. Semana passada, além de publicar alguns textos de minha própria pena, postei temas interessantes de autoria de terceiros, como o estudo que discorre a respeito da historicidade de Jesus.


Agora, porém, nada de muito útil sairá de minha cabeça : estou cheio de problemas, tenho de tomar vergonha na cara e começar a ler um monte de livros para meu trabalho de conclusão de curso, chamado no Mackenzie de TGI ( acho que o Mackenzie é a única universidade no mundo que usa este tipo de nomenclatura ), preparar aulas de escola domical para a moçada da igreja e etc...


Prometi escrever algo sobre o pensamento teológico sul-africano, sobre uma relação amistosa entre ateísmo e cristianismo, enfim, muita coisa que julgo importante. Mas, como disse, no momento simplesmente não dá !


Assim, vou escrever sobre ameninades, ou, besteiras, falando o português claro ! O post abaixo foi apenas um breve comentário sobre a foto do atual papa degustando uma bela caneca de cerveja, além de expressar minha tristeza pela eliminação da seleção portuguesa. Agora, mantendo o teor etílico da postagem anterior, vou falar, brevemente, sobre uma marca seleta de cerveja....santa, predestinada; CALVINUS !


Como bom presbiteriano independente, considero-me, ainda, calvinista. Obviamente que esta confissão não me obriga a concordar com tudo que o reformador de Genebra fez e escreveu. A despeito das críticas exageradas, convenhamos, Calvino era um tanto quanto chato, sendo que a Genebra de sua época não era um dos lugares mais aprazíveis para se morar. Karl Barth, maior teólogo cristão do século XX e herdeiro dileto do pensamento calvinista, corrobora esta informação.


Mesmo assim, admiro Calvino. Mesmo divergindo de alguns pressupostos calvinistas básicos, como a doutrina da dupla predestinação, considero o francês um verdadeiro gênio teológico. Em suma, me vejo como um calvinista crítico.


Após esta pequena introdução, vamos falar da santa cerveja reformada, CALVINUS. Acredito ser de conhecimento geral que o mundo cristão reformado celebrou, ano passado, os 500 anos de nascimento de João Calvino. Dentre vários cultos, simpósios, congressos e etc, inúmeros produtos foram lançados . Destacando-se nossa estimada cerveja. Pelo que sei, a loura calvinista foi produzida por uma importante cervejaria genebrina, tornando-se febre naquele cantão franco-suiço. Procurando informações a respeito da qualidade da cerveja, deparei-me com o depoimento de um brasileiro. Vejam só;

Calvinus, deliciosa, vinha numa garrafa escura, com aquelas rolhas estilo champagne, nem tão gelada como a cerveja servida no Brasil, mas saborosa e com 6,3% de graduação alcóolica, que na segunda garrafinha já tinha me deixado meio tonto.

http://legitimopensamento.blogspot.com/2009/06/geneve.html


Enfim, encontramos um testemunho ocular de um brazuca, provavelmente não protestante, atestando a qualidade da CALVINUS ! Pena que não seja fácil encontrá-la no mercado brasileiro. Para você, meu caro irmão de fé evangélica, que ficou escandalizado com esta profissão de fé etílica, vejamos o que Alister McGrath, citando o historiador Edmund Morgan, nos fala a respeito do real comportamento dos puritanos britânicos ( E olha que aqueles caras eram malas em vários sentidos...)


Contrariando a visão popular, o puritano não era, de modo algum, um asceta. Se ele constantemente exortava contra a vaidade das criaturas como algo erroneamente praticado pelo homem caído, ele nunca defendeu a autopenitência pelo uso de roupas ásperas ou consumo de pães duros. Ele apreciava a boa comida, a boa bebida e os confortos domésticos e, ainda que encarasse com bom humor os mosquitos, considerava um verdadeiro transtorno beber água, quando acabava a cerveja. ( A Vida de João Calvino- Alister McGrath- Editora Cultura Cristã)

PS : Ah, visitem este site, é da própria cerveja. A animação é digna de ser vista até o final.

http://www.calvinus.ch/


ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

terça-feira, 29 de junho de 2010

Santa Cerva !


Não sou muito fã do Papa Bento 16. Mas, que esta foto, tirada na época em que o mesmo era " apenas " um cardeal da Igreja Católica Apostólica Romana é legal, ah, isto é. Vendo uma imagem destas tenho esperança de que nem tudo está perdido !
PS : Porcaria o resultado de Espanha X Portugal ! :(

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Historicidade de Jesus. Realidade ou Mito ?


Sou fã do blog AD CUMMULUS,iniciativa do mineiro Flávio Souza. Não o conheço , sequer troquei um e-mail com ele, mas me tornei fã da forma como expõe assuntos complexos relativos à Bíblia e a religião de forma acessível a qualquer interessado no assunto.O jornalista mineiro prova que a teologia não deve ficar restrita a um seleto grupo de acadêmicos.

Um assunto que sempre me chamou atenção, desde que começei a navegar no mundinho virtual, foi a profusão de sites que negam a historicidade de Jesus. Sim, você realmente leu o que acabei de escrever ! Em pleno século XXI, com todo o avanço da historiografia, ainda existem pessoas que duvidam que Jesus realmente tenha existido, defendendo a tese de que o mesmo não passaria de um mito inventado pela nascente igreja cristã. Como cristão, nunca duvidei da existência de Jesus como um personagem histórico, mas, obviamente, interessei-me pelo assunto. Afinal,o cristianismo, ao contrário de muitas crenças, é uma religião fortemente histórica. E o o cerne desta história está na historicidade de um certo Jesus, filho de Maria e José, que teve vários irmãos, morreu na cruz e etc. Tire este elemento histórico, e o cristianismo está morto !

Nesta minha busca ao Jesus histórico, acompanhei, por meio de algumas leituras, todo o debate em torno desta questão crucial. Nos dias atuais, a real existência de Jesus é quase que uma unanimidade entre historiadores de todas as matizes.Sei que há uma minoria de profissionais da história altamente gabaritados que não chegam ao ponto de negar sua existência, mas que colocam sérias dúvidas, deixando sua historicidade no âmbito das hipóteses. Mas o número de pensadores da história que defendem esta tese é tão diminuto quanto o número de cientistas igualmente sérios que defendem, por exemplo, a teoria do Design Inteligente. Existem, mas são absoluta minoria diante da grande massa científica.

Assim, cheguei a escrever uma matéria a respeito da historicidade de Cristo Jesus na revista Alvorada, um dos órgãos de comunicação da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. Neste texto,abordei as famosas fontes não cristãs a respeito de Jesus; escritos de Flávio Josefo, Cornélios Tácito, Plínio-Jovem e Suetônio. Mas faltava um tipo de estudo mais completo.

Justamente atrás desta busca, deparei-me, há poucos meses atrás, com o AD CUMMULUS. Neste blog, Flávio Souza, além de debater vários outros temas relativos à religião e teologia em geral, faz uma analise criteriosa a respeito da historicidade de Jesus Cristo. Após ler todos os posts referentes, cheguei à conclusão que não precisaria escrever mais nada. O trabalho realizado pelo Flávio é impar na web. Inseri o link do CUMMULUS na barra de blog´s e sites recomendados. Sugiro que vocês devorem este blog, é muito bom !

No entanto, para aguçar a curiosidade do povo, postarei um dos textos mais esclarecedores sobre o assunto, intitulado : A significância de Jesus e a Escala Richter de Impacto Histórico; corrigindo erros da internet.
Assim, vamos ao texto.

JESUS CRISTO. REALIDADE OU MITO ? UMA ANÁLISE .

Texto original : Flávio Souza

Eu acredito que uma das principais funções dos biblioblogs é prestar, por assim dizer, um serviço público. Ser fonte de informação confiável em relação aos temas de historia bíblica e estudo das religiões, de forma a permitir o acesso do público leigo. A Internet torna possível compartilhar e transmitir informação com muita facilidade, boa ou má. Permite, com frequência que se desimforme e se deseduque, que se ressuscite teses estapafúrdias, há muito refutadas.

É problemático porque as pessoas lêem, e de boa fé acham que estão aprendendo, passam adiante, e estão recebendo informação, na melhor da hipóteses desatualizada, e na maioria das vezes errada.

Por exemplo, o filme feito para internet, Zeitgeist, muito popular no youtube, faz as seguintes afirmações.

"Além disso, há alguma evidência extra-bíblica de um certo Jesus, o Filho de Maria, que viajou com 12 seguidores, curando pessoas e tudo mais? Existiram numerosos historiadores que viviam no Mediterrâneo e arredores, tanto durante, quanto logo após a presumida vida de Jesus. Quantos desses historiadores se referiram a esta figura? Nenhum. Entretanto para ser justo, não quero dizer que os defensores do Jesus Histórico não tenham dito o contrário. Quatro historiadores são tipicamente citados para demonstrar a existência de Jesus. Plínio o Jovem, Suetonio, Tacito são os três primeiros. Cada uma dessas referências consiste de umas poucas frases e na melhor das hipóteses se referem apenas a Christus ou Cristo, o que de fato não é um nome, mas um título. Significa "ungido". A quarta fonte é Josephus, e esta já foi provado ser uma fraude há centenas de anos. Tristimente, é ainda citado como verdade".[1]

Esse argumento é apresentado as vezes de outra forma, apresenta-se uma lista de autores, (em uma das versões chega a 31), que viviam no Império Romano nos 100 ou 150 anos seguintes a morte de Jesus, e pergunta-se "se Jesus existiu, se realizou tão grandes feitos, como pode não ter sido notado por esses escritores? Como pode ter sido mencionado apenas por 4 ou 5 autores, em textos que não são maiores que um parágrafo?"

Uma dessas listas, encontrada em inúmeros sites, foi elaborada no final do séc. XIX pelo escritor Jonh Remsburg, afirmando que só uns quatro ou cinco mencionaram Jesus (deve ser observado que o próprio Remsburg, acreditava na existência histórica de Jesus de Nazaré).

Lista de Remsburg: Josefo, Filo, Seneca,Plínio Velho, Suetônio, Juvenal, Martial, Persius, Plutarco, Justo de Tiberias, Apolônio, Plínio o Moço, Tacito, Quintiliano, Lucano, Epicteto, Silius Italicus, Statius, Ptolemy, Hermogones, Valerius Maximus, Arrio, Petronio, Dion Pruseus, Veleio Paterculo, Apio, Teon de Esmirna, Flegon, Pompon Mela, Quintius Curtius, Luciano, Pausanias, Valerius Flaccus, Florus Lucius, Favorinus, Faedro, Damis, Aulus Gellius, Columella, Dio Crisostomo, Lisias, Apio de Alexandria.

Antes de tudo, vamos pensar: dos autores citados por Remsburg, alguns escreveram fábulas (como Faedro), outros eram poetas (como Marcial e Statius), outros escreveram sobre mitologia, e filosofia. Quantos deles mencionaram os assuntos da Judéia do sec. I? A maioria escrevia para um público da elite grega e romana, senadores, magistrados, nobres de cidades como Roma, Atenas ou Alexandria. Lugares como Galiléia eram tão remotos como o sertão da Paraíba ou do Ceará para um alemão ou canadense. É como se eu fosse a Nova York, entrasse em uma livraria, pegasse aleatoriamente livros de 40 autores diferentes (de filosofia, politica, geografia, ciências e historia) e se 4 ou 5 mencionassem Padre Cícero, Antônio Conselheiro, Tiradentes ou o Negro Cosme, eu concluisse que eles não existiram, ou foram irrelevantes.

Sessenta milhões de pessoas viviam no Império Romano no séc. I DC, e como a esmagadora maioria delas não foi citada por nenhum historiador, ou não aparece em artefatos arqueológicos, eu posso concluir então que elas não existiram?
A propósito, quem foram os comandantes de todas as legiões do Império no séc. I?
Quem foram os 600 membros do Senado Romano ou os 71 do Sinédrio Judaico, em digamos, 50 DC?
São perguntas que nós, com os registros disponíveis e fontes que chegaram até nós, não temos como responder, embora saibamos que foram pessoas influentes e poderosas.
Para se ter uma idéia, o historiador Jona Lendering observa "As mais de quarenta províncias do Império Romano eram administradas por um governador, cujo mandato durava de 12 a 36 meses. Estes homens poderosos são virtualmente desconhecidos para os historiadores modernos, que se consideram afortunados quando acontece de conhecer a identidade do oficial responsável por uma provincia em um determinado momento".[2]

Ou seja, apesar desses homens terem governado provincias com dezenas, centenas de milhares de habitantes e comandado exercítos de milhares de soldados, por anos a fio, terem construido monumentos, registrado seus feitos em inscrições, cunhado moedas, muitas vezes não sabemos o seu nome, e, em outros casos, mesmo que saibamos são apenas nomes em uma lista. Casos como Plínio, o Jovem, por sua coleção de cartas com o Imperador Trajano e uma longa inscrição que descreve sua carreira, ou de Pôncio Pilatos, que é mencionado nos evangelhos, Filo, Josefo e Tácito (ironicamente a única menção de Pilatos por uma fonte romana, mesmo assim como aquele que executou Jesus de Nazaré), além de aparecer em um inscrição fragmentária e algumas moedas, são excessões que confirmam a regra. Isso ocorre porque apenas um pequena parte dos textos escritos no período e dos potenciais artefatos arqueólogicos sobreviveram até nosso tempo.

Em 24 de agosto do ano de 79 DC, o Monte Vesúvio, nas proximidades de Nápoles, entrou em erupção. A região, como hoje, era densamente povoada, e a cidade de Pompéia (onde viviam cerca de 20 mil pessoas) e a vizinha Herculano foram completamente destruidas. O célebre escritor e magistrado romano Plínio, o Velho, morreu naquela tragédia, tentando resgatar sobreviventes. Uma tragédia. Milhares morreram, e os sobreviventes ficaram sem teto. Mas quantos relatos de testemunhas oculares, de fontes primárias ou secundárias, nós temos disponíveis ? UM. ISSO MESMO UM. Plínio, o Jovem, sobrinho do outro Plínio que morreu na erupção, que descreveu a tragédia a pedido de seu amigo Tácito (a parte em que o relato foi provavelmente inserido esta perdida) [3] . Temos algumas outras referências, escritas algumas décadas depois do fato, pelo poeta Statius (95 DC), o historiador Flávio Josefo ( 93-95 DC), e Suetônio (125 DC) [4], geralmente curtas e não maiores que alguns parágrafos, ainda que dezenas de escritores tenham vivido no período. Isso porque foi um evento que, se fosse hoje, faria o "breaking news" da CNN e meses depois viraria filme para televisão "baseado em uma história real". Felizmente, erupções vulcânicas deixam para trâs uma quantidade enorme de artefatos arqueológicos, que permitem não só entender o evento, mas reconstruir a vida de uma cidade romana do sec I DC.

Outro exemplo de como esse modus operandi em relação a Jesus no âmbito da história antiga pode levar a conclusões absurdas é a do próprio Imperador Trajano. Trajano governou o Império entre 98-117 DC, e seus vinte anos de reinado foram talvez os mais gloriosos da História de Roma, de tal forma que, mesmo no final do IV século, os novos imperadores recebiam os votos "felicior Augusto, melior Traiano", ("que seja mais bem afortunado que Augusto e melhor que Trajano"). Herbert W. Benario, Professor Emérito de História Clássica da Emory University, observa que:

"Trajano foi das figuras mais admiráveis da Roma Antiga. Um homem que mereceu o reconhecimento e renome que gozou em sua vida e das gerações seguintes [5].

No entanto, surpreendentemente,
"as fontes para o homem e seu principado são desapontadoramente escassas. Não há um historiador contemporâneo que possa iluminar o período. Tácito o menciona apenas ocasionalmente, Suetônio não escreveu sua biografia, e nem mesmo o autor da muito posterior e largamente fraudulenta História Augusta. (...) Plínio, o Jovem, é nossa principal fonte literária, em seu Pannegyricus - seu longo discurso de agradecimento ao Imperador, após assumir o Consulado no final do ano 100 DC - e suas cartas (...) Cassio Dio, que escreveu na decada de 230 DC, elaborou uma longa história imperial a qual, para o periodo Trajanico, sobreviveu somente em forma abreviada no livro LXVIII. O retoricista Dio de Prusa, um contemporâneo do Imperador, oferece muito pouco de valor. As epitomes de Aurélio Vitor e Eutrópio, do IV século, oferecem algumas informações úteis. Inscrições, moedas, papiros, e textos legais são os mais importantes. Uma vez que Trajano construiu muitos projetos de significância, a arqueologia contribui poderosamente para nossa compreensão do homem [5].

Ou seja, ainda que "numerosos historiadores vivessem no, e em volta do Mediterrâneo" no tempo do Imperador Trajano, nossas fontes literárias sobre seus 20 anos de reinado são extremamente escassas, e não temos disponível nenhuma biografia escrita por um autor contemporâneo, embora tenhamos dezenas de escritores no período. No entanto, sabemos da existência e importância de Trajano pelas menções breves de Suetônio e Tácito, a correspondência de Plínio, a biografia escrita por Cassio Dio mais de 100 anos depois de sua morte, e principalmente, moedas, inscrições, monumentos e obras públicas. Se essas são as fontes para o Imperador, que regia os destinos de 60 milhões de pessoas, o que devemos esperar do carpinteiro galileu, que segundo os próprios discipulos "foi crucificado pelos poderes da época, que não o compreenderam" e cujo movimento cerca de 100 anos após sua morte, contava, no maximo, com cerca de 10 a 15 mil seguidores (que não cunhavam moedas, nem elaboravam documentos oficiais, nem construiam estradas, pontes, ou monumentos) ?.

(Também aqui vale observar que apenas uma "pequena parte do que foi escrito na Antiguidade chegou até nós, e que muito do que foi escrito sobre Trajano (ou da destruição de Poméia), por seus contêmporâneos foi perdido. Da mesma forma, o mesmo ponto se aplica a Jesus).

Mas, já que comecei a escrever, podemos aproveitar para avançar para coisas mais úteis. Além de analisar os relatos (ou falta deles) para pessoas e eventos contemporâneos a Jesus (um século antes e depois de sua morte), vamos comparar o impacto e atestação deixado por esses eventos e pessoas nas fontes literárias, com aquele deixado por Jesus de Nazaré. Uma espécie de "Escala Richter de Impacto Histórico". Veremos que o mais surpreendente não foi Jesus ter sido mencionado por apenas quatro ou cinco escritores mas o fato dele ter sido citado, e por tantos autores não cristãos. Mas, antes, abordaremos algumas questões preliminares, como o (quase) consenso da comunidade acadêmica favorável a historicidade de Jesus, sobre as menções a Jesus nos autores não-cristãos (mostrando, por exemplo, que a posição dominante entre os estudiosos é que Josefo se referiu a Jesus), e o porque da maioria dos escritos da Antiguidade não terem chegado até nós.

1ª Preliminar: Como os estudiosos analisam a historicidade de Jesus

Jesus de Nazaré é objeto de devoção e fé de centenas milhões de seguidores no mundo inteiro.

a) Os historiadores e Jesus

Não obstante, muitos fazem de sua vida o seu ganha-pão. Milhares de historiadores, arqueólogos, estudiosos bíblicos e especialistas em judaísmo antigo, buscam nos textos bíblicos e extra-bíblicos, nos escritos dos primeiros cristãos, na análise do contexto social, político e econômico da Judéia e do Império Romano no século I, e se propõem a chamada "busca" pelo Jesus Histórico.

Alguns desses estudiosos são cristãos, liberais ou conservadores, outros são judeus, outros ateus, outros místicos, "espirituais mas não religiosos". Suas interpretações como a visão mais próvavel do curso do Ministério de Jesus e início do cristianismo variam bastante. Mas, existem algumas certezas compartilhadas por todos, ou quase todos, entre elas é que há poucos motivos para duvidar da existência histórica de Jesus:

O Professor judeu Geza Vermes, Professor de Judaismo Antigo na Universidade de Oxford, com cerca de 60 anos de dedicação a pesquisa do judaismo do 2° Templo, Jesus Histórico e Cristianismo primitivo afirma:

"Na verdade, com excessão de um punhado de céticos inveterados, a maioria dos estudiosos de hoje parte para o extremo oposto e considera existência de Jesus tão garantida que não se dá ao trabalho de questionar o significado de historicidade" [6].

Também o Professor da Universidade Hebraica David Flusser (1917-2000), que foi membro da Acadêmia de Ciências de Israel por sua contribuição no campo da História Clássica e Judaísmo Antigo, em cinquenta anos de trabalho, escreve:

"Realmente, possuimos registros mais completos sobre a vida dos imperadores seus contemporâneos e de alguns poetas romanos. Entretanto a excessão do historiador judeu Flávio Josefo, e possivelmente de São Paulo, Jesus é o judeu, de épocas posteriores ao Antigo Testamento, sobre quem nós mais sabemos" [7]

John Dominic Crossan, Professor da DePaul University, e uma das principais figuras a frente do Jesus Seminar, fez as seguintes observações, em um Seminário On-line na lista acadêmica de discussão "Crosstalk", quando perguntado em relação a tese da não existência de Jesus, faz a comparação (muito exagerada, ao nosso ver) entre essa tese com aqueles que negam que os americanos pousam na lua:

"(...) Eu não estou certo, como já havia dito antes, que alguém possa persuadir outras pessoas que Jesus nunca existiu se não for capaz de explicar todo o fenômeno do Jesus histórico e cristianismo primitivo, seja como um trapaça ou uma parábola santa. Eu tinha um amigo na Irlanda, que não acreditava que os americanos pousaram na lua, mas que tinham criado a coisa inteira para reforçar sua imagem de guerra fria contra os comunistas. Eu não consigo argumentar com ele. Portanto, não estou de todo certo que eu possa provar que o Jesus histórico existiu contra esse tipo de hipótese e, provavelmente, para ser honesto, não estaria mesmo interessado em tentar.
No entanto, tomei a hipótese não como uma conclusão pré-estabelecida , mas como uma simples questão que estava por trás das primeiras páginas de BofC [Birth of Christianity] quando eu mencionei Josefo e Tácito. Eu não acredito que tanto um quanto o outro tenham checado os arquivos romanos ou judaicos sobre Jesus. Eu creio que eles expressaram o conhecimento público, comum, sobre aquele estranho grupo chamado cristãos, e seu não menos estranho fundador chamado Cristo. A existência, não apenas dos textos cristãos mas destas fontes não cristãs é suficiente para me convencer que estamos lidando com um indíviduo que existiu na história. Além disso, a despeito das inúmeras formas em que os oponentes criticaram o cristianismo, ninguém nunca sugeriu que tudo tinha sido inventado. Isso é suficiente para mim.
e
(...) que esta pessoa existiu é uma conclusão histórica para mim, e não um postulado dogmático ou pressuposição teológica. De modo geral, meus argumentos são: (1) a existência é dada em fontes cristãs, pagãs e judaicas; (2) Não é negada até mesmo pelos críticos mais hostis do cristianismo primitivo (Jesus é um bastardo e um tolo mas nunca uma ficção ou um mito!); (3) Até onde eu sei, não há paralelo daquela época e período que me permita compreender uma invenção desse tipo [8].

A grande questão é que independente dos testemunhos não-cristãos, sempre bem-vindos pelos estudiosos, a grande maioria das informações sobre Jesus virá, sempre, do Novo Testamento, e de alguns outros textos considerados antigos, como o evangelho de Tomé e de Pedro. Como observa o Professor Steve Mason, da Universidade York [9], se por um lado não se deve esperar do historiador "tratamento especial" para as narrativas evangélicas, o ceticismo radical que agressivamente recusa, a priori, qualquer informação histórica é equivocado. Segundo Mason, devem ser utilizados os mesmos critérios de análise crítica adotados para reconstruir o passado a partir de narrativas de historiadores antigos como Livio, Josefo e Tacito.

b) Critérios de autenticidade e fontes cristãs primitivas: estabelecendo um esboço da figura de Jesus

De fato, durante quase 200 anos de pesquisa, os acadêmicos criaram critérios para analisar os evangelhos como fontes históricas, e os ditos e feitos atribuídos a Jesus. Para exemplificar, podemos utilizar um desses critérios, como o do embaraçamento, que se refere a ditos e feitos atribuidos a Jesus que criariam dificuldade para igreja primitiva, e enfraqueceriam sua posição diante de oponentes, e que dificilmente teriam sido inventados. Um exemplo de fato autenticado por este critério é a crucificação de Jesus sob a acusação de ser o Rei dos Judeus.

O próprio Paulo diz aos Corintíos que a cruz era escândalo para os judeus e loucura para os gregos (I Cor. 1:23). De fato, os evangelhos usam intensamente as escrituras para provar que Jesus era o Cristo, mas esta diz "Se um homem tiver cometido um pecado digno de morte, e for morto, e o tiveres pendurado num madeiro, o seu cadáver não permanecerá toda a noite no madeiro, mas certamente o enterrarás no mesmo dia; porquanto aquele que é pendurado é maldito de Deus. Assim não contaminarás a tua terra, que o Senhor teu Deus te dá em herança.(Dt 21:22-23)". Os oponentes e adversários dos cristãos usavam a crucificação como a maior prova de que Jesus não foi o Messias, como o judeu Trifo, rebatendo o uso de Dan. 7 por Justino Martir "Estas mesmas escrituras, meu caro, nos ordenam esperar aquele que, como Filho do Homem, receberá do Ancião de Dias o Reino Eterno. Mas este que vocês chamam de Cristo não teve honra ou glória, tanto assim que a maldição contida na Lei de Deus caiu sobre ele, porque foi crucificado" (Dialogo com Trifo, Capítulo 32). Também os rabinos, no Talmude, mostram como a crucificação poderia acabar com a "carreira" de pretendente messiânico "Rabi Meir costumava ensinar 'Qual o significado (do verso), "Aquele que for pendurado no madeiro é maldito de Deus" (Dt 21:23)? Havia dois irmãos gêmeos que eram parecidos. Um reinava sobre o mundo todo e outro se tornou um ladrão. Após um tempo, o que era bandido foi pego e então crucificado em um madeiro. Todos que passavam e viam, diziam "parece que o Rei foi crucificado" (bTalmude, Sinédrio 9:7). A cruz era escândalo, porque um Messias digno de seu "cargo" não poderia ser crucificado.

Tanto é que Celso, o fílosofo pagão de sec. II que escreveu contra Cristo e os Cristãos, os acusa de serem culpados de um sofisma ao afirmarem que o "Filho de Deus é o próprio Logos", porque ao dizerem "que o Logos é o Filho de Deus, não apresentam um Logos puro e imaculado, mas um homem dos mais degenerados, pois foi açoitado e crucificado" (Contra Celso, II.31), ridicularizando-os por transformarem um criminoso em Deus "Se, após inventar defesas que são absurdas, e pelas quais vocês são ridiculamente enganados, ainda que imaginando que vocês realmente fizeram uma boa defesa, por que vocês não consideram aqueles outros individuos que também foram condenados, e sofreram uma morte miserável, como maiores e mais divinos mensageiros dos céus (que Jesus) ? (Contra Celso, II.44)"

O fato de que a cruz era escândalo e loucura, é evidenciado ainda na forma como alguns grupos cristãos chegaram a afirmar que Jesus não foi realmente crucificado. O Professor AKM Adam, da Universidade de Glasgow, observa que Irineu, em seu Tratado "Contra Todas as Heresias" critica os seguidores de Cerinto, que acreditavam que Cristo desceu ao mundo e entrou no corpo do homem Jesus em seu batismo, mas o deixou em sua crucificação, de forma que embora Jesus tenha nascido, sofrido e morrido, Cristo permaneceu espiritual e intocado pelo sofrimento. Relata que os discípulos de Simão, o Mago, afirmavam que embora parecesse que Jesus havia padecido na cruz, ele não havia sofrido de fato. Basilides, pregava que Jesus não poderia realmente sofrer ou morrer, mas trocou de lugar com Simão de Cirene, que foi transfigurado para parecer com Jesus e crucificado, enquanto o verdadeiro Jesus via de longe e ria. Marcião e outros ensinavam que Logos/Cristo desceu sobre Jesus em forma de pomba e ascendeu aos céus antes de sofrer na cruz. Cristo apenas parecia ter um corpo físico, e ter sofrido e sido crucificado, mas ele era na verdade incorpóreo, um espírito puro, e assim não poderia sofrer [10]. Os próprios cristãos, percebiam quanto a crucificação era degradante e embaraçosa, tanto que alguns deles chegaram a afirmar que Cristo, o Messias, não poderia ser realmente submetido a ela, e seu suplício só poderia ter sido aparente, ou ele teria sido substituído por alguém que foi transfigurado para parecer com ele. Isso reforça a percepção que a crucificação de Jesus não foi inventada pelos cristãos, mas um fato traumático que eles buscaram lidar de diferentes formas.

Por fim, a crucificação de Jesus e sob a acusação de ser o Rei dos Judeus era muito perigosa para os primeiros cristãos dado seu status legal precário no Império Romano. Os evangelhos foram escritos, provavelmente, entre a 1ª Guerra Judaica (66-73 DC) e 2ª Guerra Judaica (132-135 DC). No primeiro século DC e início do secundo, houve inúmeras revoltas, provocadas por auto-proclamados "Reis dos Judeus" e "Messias", que causaram a morte de (dezenas de) milhares de pessoas, dentre os quais milhares de bons soldados e cidadãos de Roma. No mesmo período, a igreja era perseguida e o cristianismo era uma seita ilegal, sendo que alguns oficiais e magistrados suspeitavam que o grupo era formado por agitadores, desleais a Cesar e a Roma. De fato, Aristides, Quadrato, Justino Martir, Melito, Apolinario, e outros, escreveram ao Imperador da época buscando incessantemente provar que os cristãos eram leais, pacíficos e produtivos e perfeitos súditos do Império. Por que, nessas circunstâncias, os cristãos inventariam que seu líder tinha sido um Messias Crucificado, executado como um criminoso político, por magistrados romanos, sob a acusação de Alta Traição? Certamente porque Jesus foi realmente crucificado, por ter sido acusado (justa ou injustamente) de se auto-proclamar "Rei dos Judeus", e essas coisas eram fatos bem conhecidos (e problemáticos) que os cristãos tinham que explicar.

Os critérios como embaraçamento, dissimilaridade, múltipla atestação e outros apresentam limitações, mas permitem, no caso de Jesus, estabelecer, no mínimo, um esboço de sua figura. E o que observa o Prof. Alan Segal, da Universidade de Colúmbia:

"Desde o Iluminismo, as histórias do Evangelho sobre a vida de Jesus tem sido postas em dúvida. Intelectuais, naquele tempo e agora, perguntam: "O que torna as histórias do Novo Testamento historicamente mais prováveis do que fábulas de Esopo ou contos de Grimm?" Os críticos podem ser respondidos de forma satisfatória, mas os argumentos que eles apresentam são corrosivos à fé ingênua"[11]

Segal observa que muitos estudiosos são céticos quando as narrativas de infância de Jesus, considerando como lendários os relatos dos anjos aparecendo aos pastores, a matança dos inocentes, a estrela de Belém e os magos do oriente. Pondera a falta de registros históricos escritos durante a vida de Jesus. No entanto, ele afirma, isso não invibiabiliza a pesquisa histórica sobre a vida de Jesus, pois entre os critérios estabelecidos pelos historiadores, o do embaraçamento estabelece um padrão muito rigoroso que, se por um lado, é tão severo que vai lançar fora até mesmo ditos e feitos de Jesus autênticos, por outro, justamente por seu rigor, dá aos estudiosos fatos indisputáveis que permite verificar que as narrativas são, pelo menos em parte, históricas. Segal então continua:

"Pelo grande rigor com que foi definido, o critério [do embaraçamento] demonstra que Jesus existiu. Aqui estão alguns fatos nos evangelhos que foram embaraçosos para a Igreja Primitiva: Jesus foi batizado por João (um grande problema teológico). Ele pregou o fim do mundo (que não veio). Ele se opôs ao Templo de alguma forma (e esta oposição o levou diretamente para a morte). Ele foi crucificado (uma maneira desonrosa de morrer). A inscrição na cruz "Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus" (a Igreja nunca pregou este título para Jesus e logo perdeu o interesse em converter judeus). Ninguém, de fato, viu quando ele ressuscitou (embora, evidentemente, seus discípulos, quase que imediatamente perceberam que ele estava vivo). Ironicamente, é a natureza embaraçosa desses fatos que nos garante que são autenticos (...).
O critério de dissimilaridade nos coloca em uma posição melhor no que diz respeito à vida de Jesus no que estamos no que se refere aos grandes acontecimentos da história israelita [11].

O Prof. James McGrath, da Butler University, disponibilizou em seu site, uma compilação de listas dos Prof. Norman Perrin, E.P Sanders, e N.T Wright, que apresentam ditos e feitos de Jesus que são considerados como (quase) indisputavelmente autênticos.

c) Avaliação dos evangelhos como relatos históricos, data de autoria e genero literário.

Segundo a posição amplamente dominante entre os historiadores do cristianismo primitivo, os quatro evangelhos foram compostos pelas 2ª e 3ª geração de cristãos, entre 70 e 110 DC, havendo possibilidade de variação de 15 ou 20, para mais ou para menos, para um ou outro evangelho individual [12]. É uma distância comparavel, em nossa perspectiva, a acontecimentos como a ida do homem a lua (1968) e Copa do Mundo de 1970, de um lado, e a crise de 1929 ou a subida de GetúlioVargas ao poder (1930) de outro. Ou seja, é bem provável que pelo menos Marcos (65-80 DC) ou Mateus (80-100 DC), tenham sido finalizados em uma época que testemunhas oculares de Jesus ainda estivessem vivas. Lembrando sempre que essa é a data de composição final, uma vez que os estudiosos identificam fontes escritas mais antigas, como Q (fonte de ditos), como servindo como base a composição evangélica.

Ainda, do ponto de vista do gênero literário, muitos, se não a maioria dos estudiosos atualmente aceitam a tese proposta pelo Prof. Charles Talbert, (Baylor University) e desenvolvida pelo Prof. Richard Burridge (Kings College), - de que cada um dos quatro evangelhos podem ser classificados na categoria das biografias greco-romanas (bioi ou vitae, que apresentam características bem distintas das atuais biografias), como Vidas Paralelas de Plutarco e Agrícola de Tácito -, a partir da analise das caracteristicas mais importantes desse tipo de trabalho (apresentação, assunto, características internas e externas, além de próposito e recepção pelos leitores), no periodo entre 500 AC a 300 DC [13]. Conforme Burridge, existiria, por convenção um contrato informal entre as partes, que "define uma série de expectativas no leitor a respeito das intenções do autor, ajudando na construção do significado do texto, bem como na reconstrução do significado original do autor, assim como na interpretação e avaliação da comunicação contida na obra literária".

A definição de genero é importante, pois, certamente, usando um exemplo atual, nossas expectativas e nossa forma de compreender uma narrativa são diferenciadas, digamos, diante de uma descrição de um assassinato numa página policial de um jornal ou o notíciário na TV, em comparação a de um livro de Agatha Christie ou numa série de ficção como CSI Miami. Ao situarmos os evangelhos na mesma categoria de escritos como as biografias de Alexandre, O Grande e Julio César, a implicação é que Marcos, Mateus, Lucas e João buscaram relatar os ditos, feitos e a significância de Jesus, e, como era extremamente comum entre as bioi, tinham a intenção de que suas obras tivessem finalidade didática em relação as crenças dos cristãos e seu fundador. Obviamente, o reconhecimento em um certo gênero literário diz mais sobre a intenção presumida do autor do que o resultado final de sua obra. O fato de serem bioi ou vitae não "prova" que a "Bíblia tinha Razão" ou estabelece o nível de confiabilidade histórica dos evangelhos - ponto diverso que deve ser analisado separadamente - pois também para Cesar, Alexandre e Augusto existiram bons e maus biografos - apenas indica ao estudioso a intenção pela qual foram escritos e forma como foram originalmente lidos.

Outros, como Geza Vermes [14], acreditam que os evangelistas, embora não fossem historiadores profissionais atuaram como narradores populares da história de Jesus de Nazaré. Em ambos os casos, seja como for, os evangelistas teriam buscado narrar a vida, idéias, atividades, magistério e morte de Jesus, e usaram estes acontecimentos para compartilhar sua Fé na sua ressureição e de que ele era o Cristo, conforme as escrituras. Observe-se que, mesmo aqueles estudiosos que não concordam com a classificação dos evangelhos como escritos históricos ou bioi, stricto-sensu, como John Dominic Crossan, acreditam que é possivel utiliza-los como fontes históricas, obtendo informações sobre Jesus e os primeiros cristãos [15].

d) Resultados. Como os estudiosos avaliam os evangelhos


Os resultados variam muito, havendo aqueles como F.F Bruce e Craig Bloomberg que defendem a aceitação da tradição evangélica como confíavel, até aqueles, como Burton Mack, que defendem uma visão muito mais cética, considerando que cerca de 10 % do que é atribuido a Jesus nos evangelhos teria sido provavelmente dito ou realizado por ele [16]. Seja como for - uma vez que, segundo John D. Crossan, são atribuidos pouco mais de 500 ditos e feitos de Jesus nos evangelhos e outras fontes cristãs escritas até cerca de 100 anos após a morte de Jesus [17] - mesmo nessa visão bem minimalista teriamos por volta de 50 feitos e ditos de Jesus considerados como provavelmente autênticos, mesmo utilizando os critérios históricos de forma extremamente rigorosa. Considerando que, temos apenas quatro ditos associados a uma figura da importância de Hanina Ben-Dosa [18], por exemplo, mesmo antes de qualquer análise crítica, não é díficil entender porque o Professor Flusser nos diz que sabemos mais sobre Jesus do que quase todos seus outros contemporâneos. Aliais se considerarmos que existem dezenas de evangelhos e outros textos cristãos, além do NT, tais como os de Nag Hammadi, ai que percebemos que o problema não é a falta de fontes, mas justamente seu excesso.

É que nos diz, em outras palavras, Michael Grant (1914-2004), Professor de História Antiga da Universidade de Edinburgo, ateu, e uma das mais respeitadas figuras em história romana:

"Se nós aplicarmos ao Novo Testamento, como devemos, a mesma sorte de critérios que devemos utilizar para outros escritos da antiguidade contendo material histórico, nós não podemos mais rejeitar a existência de Jesus sem o fazer o mesmo com um grande número de personagens pagãos cuja realidade de sua figuras históricas nunca é questionada. Certamente, existem todas aquelas discrepâncias entre um evangelho e outro. Mas nós não negamos que um evento aconteceu apenas porque alguns historiadores pagãos como, por exemplo, Livio e Polibio, o descreveram de maneiras diferentes. Que houve um rápido crescimento de lendas em volta de Jesus não pode ser negado, e isso aconteceu muito rápido. No entanto, também houve um rápido desenvolvimento de lendas em torno de figuras pagãs como Alexandre o Grande, ainda que ninguém o considere completamente mítico ou fictício. No fim das contas, os métodos críticos modernos não dão suporte a teoria do Cristo Mítico. E, de novo, mais uma vez, ela foi "refutada e rejeitada pelos estudiosos de primeira linha". Nos anos recentes "nenhum estudioso sério ousou levantar a tese da não historicidade de Jesus", ou muito pouco o fizeram, e mesmo assim não conseguiram ser bem-sucedidos frente a forte e abundante evidência contrária" [19]

Por fim, observamos que tanto Vermes quanto Grant observam que existe um "punhado" ou uns "poucos" estudiosos que questionaram a historicidade de Jesus. Na atualidade, podemos citar, por exemplo, o Prof. Robert Price e o Dr. Richard Carrier, entre outros. Estes estudiosos acreditam que existem evidências que sugerem que Jesus possivelmente não teria existido, e uma das suas principais reclamações é justamente que o consenso histórico é tão forte, que suas teses não são consideradas com a seriedade devida, não sendo possível a eles sequer começar o debate acadêmico. Seja como for, não há problema em se questionar a existência de Jesus, ou seu significado, que é uma questão histórica como outra qualquer. O problema, como em casos como o do filme citado, é não informar aos leitor, principalmente os leigos no assunto, a situação atual do campo, dando a entender que justamente a situação contrária é a que ocorre.



Referências Bibliograficas:
[1] Peter Joseph, "Zeitgeist, O Filme", transcrição parte 1, acessado em 30.12.2009
[2] Jona Lendering: "Pontius Pilate"http://www.livius.org/pi-pm/pilate/pilate01.htm., acessado em 28.12.2009
[3] ver John J. Butt, Greenwood Dictionary of World History (2006), "Pliny the Younger", fl. 266; Ronald Mellor (1999), Roman Historians, fl. 89. Este exemplo foi utilizado anteriormente por Gakusei Don, na analise do documentário "God who Wasn't there"
[4] Statius, Silvae 4.4; Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas 20:7.2; Suetônio, A Vida dos Doze Césares, Tito 8:3-4.
[5] Herbert W. Benario (2000), Trajan In: De Imperatoribus Romanis:An Online Encyclopedia of Roman Rulers and their Families (http://www.roman-emperors.org/) , acessado 28.12.2009
[6] Geza Vermes (2005), Quem e Quem na Época de Jesus, fl. 23, Ed. Record, 1ª Edição
[7] David Flusser (1998), Jesus, fl .01, Ed. Perspectiva
[8] John D. Crossan (2000), Seminar on Materials & Methods in Historical Jesus Research, Seminário On-line realizado de 11 de fevereiro a 4 de março de 2000, ver mensagens 146 e 159, e também 167, de 28/02, 01/03 e 02/03/2000, respectivamente (acessado em 04.01.2010)
[9] Steve Mason, Where Jesus Was Born? O Little Town of…Nazareth?, Bible Review, Fevereiro de 2000.
[10] A.K.M. Adam, Docetism, The Ecole Initiative, http://ecole.evansville.edu/articles/docetism.html, as passagens citadas de Contra as Heresias, de Irineu de Lyon, são os Livros I capítulos 23, verso 2, e 26, verso 4; II; e Livro II 24.4, acessado 04.01.2010.

[11] Alan F. Seagal (2005), Jesus and the Gospels-What Really Happened - [1]: Believe only the Embarrassing, Slate, 21.12.2005 http://www.slate.com/id/2132974/entry/2132989/, acessado em 04.01.2010.
[12] ver Geza Vermes (2005), A Paixão, fl. 15, Editora Record, 1ª edição; John D. Crossan, Jesus, Uma Biografia Revolucionária, fl. 14, Ed. Imago, 1ª Edição; Gerd Thiessen, O Novo Testamento, fls. 71-92 e fls. 111-122; 1ª Edição.
[13] Burridge, Richard (2004): What Are the Gospels, A Comparison with Graeco-Roman Biography, 2ª edição;ver também o review por James Morrison (Bryan Mawr Classical Review 2005.05.31) e Mitchell G. Reddish (Mitchell Reddish, review of Richard A. Burridge, What Are the Gospels?: A Comparison with Greco-Roman Biography, Review of Biblical Literature). Quanto a avaliação da tese, o Professor Bart Erhmann afirma que, recentemente "tem sido aceita por muitos estudiosos" (Bart Ehrman, The New Testament: A Historical Introduction to the Early Christian Writings. 3ª edição, fl. 64-65, 2004). O próprio Burridge afirma ter ficado surpreso com a aceitação de sua tese, parecendo-lhe que a maioria dos estudiosos já classificava os evangelhos entre as bioi ou vitae no final da década de 1990 (What Are the Gospels.... fl. 253). Andrew T. Lincoln fala em consenso na comunidade acadêmica em torno da tese de Burridge (A.T. Lincoln, 'Reading John, The Forth Gospel under Modern and Post-Modern Interrogation In Stanley Porter (ed.) : Reading the Gospels Today), percepção compartilhada pelo Prof. Mitchell Reddish no review já citado.
[14] Geza Vermes (2001), As Várias Faces de Jesus, fl.177
[15] John Dominic Crossan (2004); Texto e Contexto na Metodologia dos Estudos do Jesus Histórico In Chevitarese, Corneli & Selvatici; Jesus de Nazaré, Uma outra História, fls. 169-170.
[16] Burton L Mack (1993), The Lost Gospel: The Book of Q and Christians Origins, especialmente fls. 71-105 e fls. 260-263; ver também o sumário extremamente útil de Cris Zeichmann, "Q and The Historical Jesus, Pt. 2" http://neonostalgia.com/weblog/?p=551
[17] John Dominic Crossan (1999) Birth Of the Christianity, fls. 587-596. Disponível online em http://www.jesusdatabase.org/index.php?title=Crossan_Inventory, acessado em 30.12.2009
[18] Geza Vermes (2001), As Várias Faces de Jesus, fl.
[19] Michael Grant (1979), Jesus: An Historian's Review of the Gospels, pagina 200

terça-feira, 22 de junho de 2010

África do Sul : Cristianismo e Apartheid


Para quem gosta de futebol, como é meu caso, estamos vivendo um período especial, quase místico, afinal, é época de Copa do Mundo.

Antes do início do mundial, as emissoras de TV nos entupiram com informações mais variadas a respeito da história da República Sul Africana. Apesar de gostar bastante do esporte bretão, não vou tecer nenhum tipo de comentário sobre o andamento do torneio, afinal, este blog é dedicado a teologia e demais assuntos correlatos a religião. Gostaria de falar um pouco da história do cristianismo na África do Sul.

A despeito do breve período de presença portuguesa entre o final do século XV e início do século XVI, onde religiosos católicos romanos acompanharam o empreendimento luso, a forma predominante de cristianismo existente na atual África do Sul sempre foi protestante. A partir de 1652, franceses e holandeses, na sua maioria praticantes do calvinismo , estabeleceram-se no país. O primeiro pastor evangélico aportou por aquelas bandas em 1665, sendo que, neste período, não havia nenhum tipo de preocupação em obter conversos entre a população nativa africana. O primeiro trabalho missionário direcionado de forma específica ao povo negro deu-se apenas no século 18, mais precisamente em 1737, por iniciativa dos Irmãos Morávios. Esta predominância protestante em território sul-africano tem uma explicação óbvia; durante o período definitivo de invasão européia, Holanda e Inglaterra, nações que abraçaram a religião evangélica, dividiram entre si o poder.

Em 1805, após uma trajetória marcada por vários atritos com os colonos holandeses, o Reino Unido tomou posse definitiva do território. Esta forçada inclusão ao Império Britânico deixou sua marca na vida religiosa sul-africana. Anglicanos, Metodistas e Presbiterianos iniciaram seus trabalhos. Neste mesmo período, missionários alemães de confissão luterana direcionaram seus esforços quase que exclusivamente aos nativos africanos. Apenas em 1850, quase quatro séculos após a chegada do navegador português Bartolomeu Dias, a Igreja Católica Romana fincou raízes no extremo sul do continente

Dentre a população de origem holandesa, estabeleceu-se de forma bastante influente a Igreja Reformada (NGK). Em 1850, por razões doutrinárias, esta denominação dividiu-se, originando duas novas igrejas.

Um ano após a criação da União Sul-Africana, em 1911, a facção predominante da Igreja Reformada Holandesa promulgou o tristemente conhecido “The Dutch Reformed Church Act”, negando aos negros a condição de membros desta igreja. Para alocar o grande número de negros, mestiços e indianos que se convertiam ao cristianismo,foram criadas pequenas denominações direcionadas a estas etnias. Antes mesmo de se tornar lei nacional, já que foi estabelecido em 1948, o apartheid tinha sido praticado primeiramente no seio de uma grande confissão cristã ! As outras igrejas reformadas de origem holandesa, seguindo o exemplo da igreja mãe, também estabeleceram organismos eclesiásticos separados para não brancos. Mal sabiam que estavam gestando eminentes lideres que, em um futuro não muito distante, iriam contribuir para o fim do regime de segregação racial na África do Sul.

Durante o transcorrer do século XX, o pentecostalismo fincou sólidas raízes, tornando-se uma grande força no cristianismo sul-africano, contando, nos dias atuais, com aproximadamente 8% da população. Bastante interessante é o fato do movimento pentecostal do país ter produzido um teólogo de grande envergadura, dedicado, sobretudo, ao movimento ecumênico. Estamos falando de David de Plessis. Mesmo tendo uma forte minoria branca, caso do próprio de Plessis, o pentecostalismo é majoritariamente negro, destacando-se por seu ativismo político.
Fruto do sincretismo entre protestantismo tradicional, pentecostalismo e crenças nativas africanas, as chamadas igrejas independentes, como a Comunidade Zion, destacam-se no cenário religioso.


Dentre as igrejas evangélicas de origem britânica e alemã, o preconceito, mesmo bastante forte, não era institucional, fazendo com que parcela significativa da população não branca convertida ao cristianismo optasse por tais comunidades. Segundo dados estatísticos divulgados na década de 70, período em que o apartheid atingia seu auge, 80% dos membros das igrejas luterana e metodista eram negros ou mestiços. Dentre os anglicanos, este percentual girava em torno de 70%. O presbiterianismo, originário do trabalho realizado por missionários escoceses e implantado em 1829, contava com cerca de 1.120.000 fiéis, sendo que quase 90% de sua membresia era negra.

Como ficou claro nesta breve pincelada histórica, o papel do cristianismo, notadamente do protestantismo na consolidação do regime segregacionista do apartheid, foi fundamental. O corpo maior da Igreja Reformada Holandesa (NGK) forneceu os argumentos teológicos para o regime racista. No entanto, mesmo no seio desta igreja eminentemente racista, e também em suas já citadas ramificações brancas, surgiram vozes destoantes que protestaram contra o preconceito institucionalizado no país, defendendo a causa de negros e mestiços. Não é necessário dizer que estes heróis e heroínas, verdadeiros representantes dos ensinamentos de Cristo, sofreram as mais virulentas perseguições por parte das hipócritas autoridades eclesiásticas. Dentre vários dissidentes, podemos citar o nome de David Jacobus Bosch, teólogo que defendia uma prática missionária com forte enfoque social e que rompeu publicamente com sua igreja 1982.

Já no seio das comunidades reformadas negras, o grande líder antiapartheid foi Allan Boesak, considerado um dos maiores expoentes da chamada teologia da libertação fora da América Latina.

A postura do catolicismo-romano diante do regime de segregação racial, a principio, foi dúbia. Porém, a partir de 1957, a cúpula romana posicionou-se de forma claramente contrária ao governo racista. Dentre vários clérigos católicos que assumiram uma posição claramente contrária ao apartheid, destaca-se a figura do religioso dominicano Albert Nolan.

Pois bem, gastaria muito tempo citando o nome de homens e mulheres das mais diferentes tradições cristãs que levantaram suas vozes contra o opressor regime racista sul-africano que teve seu término apenas em 1994.

Desta forma, mesmo que instituições eclesiásticas se comportem de forma assumidamente anticristã, o Espírito de Deus sempre levantará homens e mulheres que, coerentemente com sua profissão de fé em Jesus Cristo, denunciarão todo tipo de preconceito e opressão.

OS: Na próxima semana vamos retomar o assunto África do Sul . Iremos conhecer um pouco da vida, obra e teologia de grandes teólogos deste país. Alguns foram citados brevemente acima.

ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Richard Dawkins e Adauto Lourenço, duas faces da mesma moeda ?


Há tempos atrás, quando eu era um adolescente cristão fundamentalista, minha antiga igreja recebeu a presença do conhecido físico criacionista Adauto Lourenço. Durante um final de semana inteiro, toda comunidade foi submetida a uma verdadeira lavagem cerebral pseudo-científica. Agora, com muita vergonha no coração, vou confessar uma coisa para vocês; eu acreditei nas bravatas do cara! Para quem não entende absolutamente nada de ciência, o discurso de Adauto convence! O cidadão tem uma oratória boa, usa e abusa de filmes, slides e coisas do gênero. É um verdadeiro apresentador com tremenda facilidade para se comunicar com auditórios grandes. Com o passar do tempo tomei um pouco de vergonha na cara, decidi ler um pouquinho mais sobre ciências naturais e vi como o suposto “criacionismo científico” é absolutamente tosco!

Para Adauto Lourenço, a teoria evolucionista de Darwin é uma grande mentira. A Bíblia Sagrada, segundo sua concepção, ganha status de livro científico, devendo ser interpretada de forma literal. Os primeiros capítulos do livro de Gênesis adquiriram uma autoridade biológica, sendo que tudo que surgiu na face da terra deve estar de acordo com o registro bíblico. Era até engraçado ver Adauto caçando versículos bíblicos para corroborar suas teorias “científicas”.

No decorrer do curso, o físico brasileiro, formado na fundamentalista Universidade Bob Jones, no Tio Sam, fez um ataque contundente ao darwinismo. Para ele, a teoria de Darwin era uma porta para o ateísmo. Segundo seu pensamento, é impossível ser cristão e aceitar a explicação darwiniana da evolução por seleção natural. Fechando de forma patética o evento, desferiu violentos golpes ao ateísmo como ideologia de vida e, também, aos próprios céticos como pessoas. Neste momento, usando um argumento surrado e desmentido pela própria história, alegou que uma pessoa atéia é, obrigatoriamente, má e amoral.

Pois bem, depois deste homérico e bestial congresso, muita coisa se passou em minha vida. Abandonei a igreja, tornei-me agnóstico militante e, no final de tudo, retornei ao bom e velho cristianismo.

Como escrevi em uma coluna publicada no excelente site Amálgama, editado com brilhantismo pelo meu amigo ateu Daniel Lopes, este tempo de ceticismo foi fundamental para meu atual estágio de fé cristã. Aprendi a ser crítico.

Agora, quase bacharel em teologia, escuto, ou melhor, leio, a mesma ladainha proferida anos atrás por Lourenço através de uma grande eminência científica; Sir Richard Dawkins !

Um rápido passeio pelo livro “Deus, um delírio” pode demonstrar isto de forma clara. Para Dawkins, o evolucionismo é mais do que uma teoria científica, é uma verdadeira filosofia de vida que só pode levar ao ateísmo. Um cristão seja ele leigo ou cientista, que aceita os pressupostos darwinistas está, na melhor das hipóteses, cometendo um ato de suicídio intelectual. Porém, na maioria das vezes, segundo o eminente cientista britânico, se trata de um baita mentiroso! Que coincidência, não? Este pensamento é muito parecido com o de Adauto Lourenço!

Mas as semelhanças entre ambos não param. Em vários escritos e palestras, Dawkins cola o que há de pior na religiosidade humana na testa de todos os crentes. Para ele, todo crente é um potencial alienado, ignorante, um perigo para a nossa super civilizada e pacífica sociedade secular. Uma pessoa verdadeiramente inteligente jamais poderá ter fé, pois a mesma é um vírus maligno responsável por todos os males. Assim, um individuo com o mínimo de massa encefálica que professa qualquer crença religiosa é grande hipócrita e mentiroso.

Voltando a comparação com o pensamento de Adauto Lourenço, vejam a semelhança com aquela premissa de que o sujeito ateu é mau simplesmente pelo fato de ser o que é.
Perdoem-me os fãs de Adauto Lourenço. Perdoem-me os fãs de Richard Dawkins. Mas considero ambos duas faces da mesma moeda, a moeda do fundamentalismo e da generalização.

Para finalizar, gostaria de apresentar uma rápida declaração do físico estadunidense William D. Phillips, ganhador do prêmio Nobel em 1997. Este grande cientista, cristão praticante, além de explicitar claramente sua fé, demonstra um verdadeiro respeito para com aqueles que não crêem. Que seu exemplo seja seguido por crentes e incrédulos.


Eu vejo um universo ordenado e belo no qual todos os fenômenos físicos podem ser entendidos a partir de algumas poucas equações matemáticas simples. Eu vejo um universo que se tivesse sido feito de modo ligeiramente diferente, não poderia ter estrelas e planetas, sem falar em bactérias e seres humanos. E não há razão científica para demonstrar que o universo não poderia ser diferente. Muitos bons cientistas concluíram, a partir destas observações, que um Deus inteligente deve ter querido criar um universo com propriedades tão belas, simples e permitindo a existência da vida. Muitos outros bons cientistas são ateus. As duas atitudes são atitudes de crença. Eu acho que os argumentos a favor da existência de Deus são sugestivos, mas não conclusivos. Eu acredito em Deus porque posso sentir a presença de Deus em minha vida, porque posso ver a evidência da bondade de Deus no mundo, porque acredito no Amor e acredito que Deus é Amor. Esta fé me faz um melhor cientista ? Dificilmente. Eu conheço muitos ateus que são melhores cientistas e melhores pessoas do que eu. Eu não acho que esta fé me faz melhor do que eu seria se não tivesse fé. Estou livre das dúvidas em relação à fé? Dificilmente. Perguntas a respeito do mal do mundo, do sofrimento de crianças inocentes, a variedade de pensamentos religiosos... Apesar disso, eu creio, mais por causa da ciência do que apesar dela, mas em última analise eu creio simplesmente porque creio. Como diz o autor da carta aos Hebreus, a “fé é a substância daquilo que esperamos, a prova do que não vemos”.

PS : Aos admiradores de Dawkins : Em nenhum momento estou comparando a importância de Richard Dawkins como cientista com a de Adauto Lourenço. Obviamente, o britânico é um cientista gabaritado, já Lourenço, nada produziu de útil para o pensamento científico. Minha comparação reside na postura instransigente e dicotômica de ambos.

ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

18 de Junho de 2010. Dia Histórico Para a Família Cristã Reformada Mundial


Dia 18 de Junho de 2010. Em meio à efervescência provocada pela Copa do Mundo de Futebol, o mundo eclesiástico cristão vive um dia histórico. Hoje, terá início na cidade de Grand Rapids, Estados Unidos, a assembléia geral responsável por unir as duas grandes organizações que congregam parcela significativa das igrejas presbiterianas, reformadas, congregacionais e unidas espalhadas pelo mundo. Após anos de diálogo, a Aliança Mundial de Igrejas Reformadas e o Conselho Ecumênico Reformado, resolveram colocar as desavenças de lado, e juntas formarão uma nova entidade que terá sob sua influência mais de 80 milhões de fiéis nos cinco continentes. A nova organização foi batizada como Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas. É sempre bom lembrar aos leitores não familiarizados com o funcionamento dos grandes órgãos ecumênicos e com a eclesiologia protestante, que esta nova organização não exercerá um papel legislativo sobre seus filiados, isto é, não será uma espécie de vaticano presbiteriano. Sua função é congregar, fraternalmente, o maior número de igrejas nacionais autônomas que vinculam suas origens a reforma religiosa do século 16 de acordo com a tradição zwingliana e calvinista.

A antiga Aliança Mundial de Igrejas Reformadas (AMIR) deve sua origem a dois organismos eclesiásticos distintos. Em 1875 foi organizada em Londres, Inglaterra, a assim chamada Aliança das Igrejas Reformadas que Seguem o Sistema Presbiteriano. No ano de 1891, também na britânica Londres, foi fundado o Concílio Congregacional Internacional. Doutrinariamente, ambos os grupos eram bastante similares, já que adotavam alguma espécie de calvinismo. Sua divergência principal encontrava-se na forma de governo eclesiástico. A característica marcante do presbiterianismo sempre foi seu governo democrático representativo, sendo o mesmo exercido de forma indireta por meio de representantes eleitos pela própria congregação. Por outro lado,o congregacionalismo é conhecido por sua forma democrática direta, estando o poder máximo nas mãos da própria comunidade reunida em assembléia.

Durante boa parte do século XX, os dois grupos, herdeiros da mesma tradição teológica, andaram separados, unindo-se apenas em 1970 sob uma nova nomenclatura: Aliança Mundial de Igrejas Reformadas (AMIR). Mesmo não tendo um poder decisório em questões dogmáticas, a AMIR sempre se caracterizou por posturas teológicas e políticas progressistas.

Um dos maiores exemplos desta tendência esquerdista por parte da AMIR, está no veemente e profético pronunciamento condenando o diabólico regime do apartheid sul-africano em 1982. Infelizmente, o regime racista vigente na África do Sul contou com o apoio de várias denominações reformadas brancas daquele país. Inconformada com a postura destas igrejas, a AMIR as expulsou de sua membresia, iniciando uma forte política antiapartheid junto aos mais diferentes órgãos internacionais.

A atuação da AMIR em prol do ecumenismo cristão e do diálogo inter-religioso sempre foi digna de destaque. Inúmeros acordos teológicos foram firmados com anglicanos, luteranos, metodistas, pentecostais, batistas, ortodoxos e católicos romanos. No tocante ao diálogo inter-religioso, foram frutíferos os contatos estabelecidos com judeus, muçulmanos, budistas e hindus.

O antigo Conselho Ecumênico Reformado foi organizado em 1946, sendo formado, inicialmente, por igrejas etnicamente holandesas espalhadas pelo mundo. Durante muito tempo foi uma espécie de entidade oposta a AMIR, caracterizando-se por um maior conservadorismo em questões teológicas e políticas. Contudo, a partir de meados da década de 80, experimentou uma acentuada abertura nestes pontos, o que facilitou sua aproximação com a AMIR.

Enfim, após este breve histórico, voltemos ao foco da questão. A união dos dois conselhos de orientação reformada diz respeito não apenas aos cristãos pertencentes a esta tradição, mas a toda cristandade. Não podemos pregar o evangelho de Jesus Cristo no meio de tamanha desunião.

No entanto, a importância da criação da Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas extrapola os próprios limites do cristianismo e da crença religiosa em si. A citada participação da AMIR no combate ao apartheid sul-africano, assim como as inúmeras campanhas realizadas pela entidade em prol da justiça social, economia solidária, ecologia, desarmamento, paz mundial e etc, demonstraram como uma grande família cristã pode desempenhar um papel transformador e libertador em nossa sociedade.

Longa vida, COMUNHÃO MUNDIAL DE IGREJAS REFORMADAS !

André Tadeu de Oliveira

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Declaração de Voto . Por Frei Betto


Voto este ano, para presidente da República, no candidato decidido a implementar reformas estruturais tão prometidas e jamais efetivadas: agrária, tributária, política, judiciária. E que a previdenciária e a trabalhista não sejam um engodo para penalizar ainda mais os trabalhadores e aposentados e beneficiar grandes empresas.

Voto em quem se dispõe a revolucionar a saúde e a educação. É uma vergonha o sucateamento do SUS e do ensino público. De 190 milhões de brasileiros, apenas 30 milhões se agarram esperançosamente na bóia de salvação dos planos privados de saúde. Os demais são tratados como cidadãos de segunda classe, abnegados penitentes de filas hospitalares, obrigados a adquirir remédios onerados por uma carga tributária de 39% em média.

Segundo o MEC, há 4,1 milhões de brasileiros, entre 4 e 17 anos de idade, fora da escola. Portanto, virtualmente dentro do crime. Nossos professores são mal remunerados, a inclusão digital dos alunos é um penoso caminho a ser percorrido, o turno curricular de 4 horas diárias é o verniz que encobre a nação de semianalfabetos.

Voto no candidato disposto ao controle rigoroso de emissão de gás carbônico das indústrias, dos pastos e das áreas de preservação ambiental, como a Amazônia. Não se pode permitir que o agronegócio derrube a floresta, contamine os rios e utilize mão-de-obra desprotegida da legislação trabalhista ou em regime de escravidão.

Voto em quem se comprometer a superar o caráter compensatório do Bolsa Família e resgatar o emancipatório do Fome Zero, abrindo a porta de saída para as famílias que sobrevivem à custa do governo, de modo que possam gerar a própria renda.

Voto no candidato disposto a mudar a atual política econômica que, em 2008, canalizou R$ 282 bilhões para amortizar dívidas interna e externa e apenas R$ 44,5 bilhões para a saúde. Em termos percentuais, foram 30% do orçamento destinados ao mercado financeiro e apenas 5% para a saúde, 3% à educação, 12% a toda a área social.

Voto no candidato contrário à autonomia do Banco Central, pois a economia não é uma instância divorciada da política e do social. Voto pela redução dos juros, a desoneração da cesta básica e dos medicamentos, o aumento real do salário mínimo, a redução da jornada semanal de trabalho para 40 horas.

Voto na legalização e preservação das áreas indígenas, de quilombolas e ribeirinhos, no diálogo permanente com os movimentos sociais e repúdio a qualquer tentativa de criminalizá-los, nas iniciativas de economia solidária e comércio justo, na definição constitucional do limite máximo de propriedade rural.

Voto no candidato convicto de que urge reduzir as tarifas de energia destinada ao consumo familiar e de uso de telefonia móvel. Disposto a valorizar fontes alternativas de energia, como a solar, a eólica, a dos mares e lixões etc. E que seja contrário à construção de termoelétricas e hidrelétricas nocivas ao meio ambiente.

Voto no candidato que priorize o transporte coletivo de qualidade, com preços acessíveis subsidiados; exija a identificação visível dos alimentos transgênicos oferecidos ao consumidor; impeça a participação e uso de crianças em peças publicitárias; e condene veementemente o trabalho infantil.

Voto no candidato decidido a instalar a Comissão da Verdade, de modo a abrir os arquivos das Forças Armadas concernentes ao período ditatorial e apurar os crimes cometidos em nome do Estado, bem como o paradeiro dos desaparecidos.  

Voto em quem dê continuidade à atual política externa, de fortalecimento da soberania e independência do Brasil, diversificação de suas relações comerciais, apoio a todas as formas de integração latino-americana e caribenha sem a presença dos EUA; direito de o nosso país ter assento no Conselho de Segurança da ONU; de repúdio ao criminoso bloqueio dos EUA a Cuba e à instalação de bases militares estadunidenses na América Latina.

Voto, sobretudo, em quem apresentar um programa convincente de redução significativa da maior chaga do Brasil: a desigualdade social.

Este o meu voto.

Resta achar o candidato.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Alister McGrath X Richard Dawkins


Fonte : Revista Época.


Numa tarde de primavera de 1961, o jovem irlandês Alister McGrath fazia o dever de casa, deitado sobre o tapete da sala. A mãe estava na cozinha, o pai no trabalho, o irmão no quarto e o melhor amigo de McGrath passava andando na rua. Aí um estrondo sacudiu as janelas. Ajoelhado sobre a cadeira, com as palmas das mãos apoiadas sob a janela de vidro, McGrath assistiu à morte do amigo, vítima da bomba, de um ataque terrorista. “Ele ainda olhou para mim antes de cair”, diz McGrath, hoje professor de Teologia Histórica da Universidade de Oxford, quase meio século depois. “Minha família se reuniu no quarto e rezou em silêncio.”

Nascido em Belfast em plena guerra religiosa entre católicos e protestantes, McGrath viu a maturidade chegar mais cedo, quase à força, e deixar marcas cruéis em sua vida. “Foi um tiro de lucidez”, diz. Desde a tragédia, passou a prestar mais atenção às conversas de adultos sobre religião. Também aos comentários sobre a guerra que ouvia pelo rádio. Aos 12 anos, não se esquivava de debates entre católicos e protestantes. Nos corredores da escola, era tido como o maior especialista em estratégias e ataques terroristas. Mas algo em McGrath incomodava a família. O menino nunca tomava partido.

Agora tomou. McGrath, hoje teólogo na Universidade de Oxford, na Inglaterra, virou um dos mais eminentes defensores da religião, contra os ataques de cientistas ateus. Especialmente do evolucionista queniano Richard Dawkins, seu colega de universidade. Para combatê-lo, McGrath publicou no ano passado o livro O Delírio de Dawkins (Editora Mundo Cristão), escrito em parceria com a mulher. O título é uma referência irônica ao best-seller de Dawkins Deus, um Delírio, que já vendeu mais de 1,5 milhão de exemplares. O livro de McGrath vendeu bem menos – 60 mil exemplares na edição inglesa –, mas foi traduzido para sete idiomas, e o nome de McGrath passou a circular entre os mais influentes da Europa.

O mais irônico é que Dawkins, hoje rival, já foi ídolo de McGrath. Na época em que foi aprovado para cursar Biofísica Molecular em Oxford, em 1975, McGrath estava convencido de que a religião era a causa de conflitos e mortes pelo mundo e abraçou o ateísmo. A Europa vivia então um surto de secularismo, e esperar o fim das religiões não parecia um absurdo desmedido. Seu livro de cabeceira, O Gene Egoísta, publicado em 1976 por Dawkins, era a bíblia de quase todo universitário.

Dawkins é um dos divulgadores da ciência mais bem-sucedidos do mundo. Está sempre no topo da lista dos cientistas mais influentes publicada pela revista britânica Prospect. A popularidade de Dawkins se deve à originalidade de sua tese e à riqueza de sua argumentação. Dawkins é ateu. E chegou ao ateísmo por sua própria teoria evolucionista. Para ele, a herança dos genes é mais importante que o indivíduo que os transmite. Assim, pela lógica, ele questiona tudo, inclusive a existência de Deus e qualquer outro argumento que possa eleger o indivíduo – e não os genes – como personagem principal da evolução (ou da criação, na narrativa religiosa). McGrath tinha Dawkins como ídolo – e sua carreira brilhante como inspiração. A exemplo de Dawkins, McGrath tornou-se doutor em biofísica molecular, apresentou trabalhos relevantes e conquistou uma cadeira em Oxford, a mesma universidade em que Dawkins lecionava. McGrath tornou-se um profissional prestigiado, mas sem a popularidade do ilustre evolucionista.

McGrath e Dawkins se conheciam. Encontravam-se em congressos de biologia e participavam de grupos de discussão sobre ateísmo. Ambos escreviam para a publicação americana Skeptical Magazine. Mas McGrath parecia andar à sombra de Dawkins. Em algum momento, a inquietude filosófica de McGrath os separou definitivamente. Ao submeter suas crenças a um exame crítico, prática que o irlandês diz ter adotado desde a morte do amigo na infância, McGrath passou a duvidar também do ateísmo. “Percebi que havia razões mais robustas para acreditar que Deus existia”, diz.

O retorno à religião começou, provavelmente, no divã de Joanna Collicutt, neuropsicóloga especialista em teologia cristã e futura mulher de McGrath. Joanna o teria levado de volta às suas raízes religiosas. O amor, apostam os amigos, teria transformado o ex-ateu no maior especialista em teologia histórica de Oxford. “Sempre valorizei o livre-pensamento”, diz. “Mas nunca imaginei até onde ele poderia me levar.”

Dawkins e McGrath passaram a seguir trajetórias opostas. Cristão resgatado, McGrath não abandona seus estudos científicos. Para ele, a ciência é capaz de explicar o mundo natural, mas não de entender valores e o significado da vida. Dawkins acredita que a ciência leva ao ateísmo. McGrath segue respeitando o colega. Mas o lançamento de um livro reaproximou destinos que pareciam seguir direções antagônicas. A publicação de Deus, um Delírio, de Dawkins, gerou indignação na academia, em especial em McGrath, especialista nas publicações de Dawkins. A obra rompeu com a rica argumentação que o consagrou como cientista. Considerado pela crítica um manifesto ateu fundamentalista, o livro traz citações de internet, opiniões, hipóteses e frases de pessoas ilustres. “Ele faz isso para conseguir tecer suas idéias, já que falha na abordagem científica”, diz McGrath. “A agressividade dele é um reflexo de sua frustração como ateu.”

Ídolo em outros tempos, Dawkins se transformou em inimigo. O bombardeio retórico do colega merecia uma resposta à altura, segundo McGrath. Em seu livro, McGrath afirma que Dawkins confunde crença e prática religiosa. “Pode-se crer em algo sobrenatural sem que seja preciso haver prática religiosa”, diz McGrath. “Dawkins confunde tudo e ataca as duas coisas ao mesmo tempo.” Oportunismo editorial de McGrath? Talvez. Ele nunca teve a visibilidade de Dawkins. Para cada leitor de McGrath há outros 42 de Dawkins. Mas o número de fãs de McGrath cresce a cada dia. O deslize de Dawkins pode ser a chance que McGrath e os cristãos esperavam

Religiosidade em Campo. Certo ou errado ?


ÁFRICA DO SUL

Jogadores brasileiros são alertados sobre testemunho em campo

Fonte : Agência Latino-Americana de Notícias.


Com o propósito de evitar qualquer tipo de conflito que possa ocasionar choque de culturas e crenças que se misturam no Campeonato Mundial de Futebol, a Fifa pediu aos jogadores do Brasil que moderem suas manifestações durante as partidas neste certame.

Assim, os jogadores não podem usar, sob os uniformes, camisetas com qualquer tipo de mensagem religiosa ou política que possa dar motivo a confusões no campo ou fora dele.

O chefe de imprensa da Seleção brasileira, Rodrigo Paiva, revelou que foi solicitado aos atletas obediência ao regulamento do Mundial, o qual proíbe qualquer tipo de manifestação pública em campo sobre crenças, uma vez que boa parte da equipe segue a doutrina evangélica pentecostal, que estimula seus fiéis a assumirem sua fé.

O alerta foi apresenta em especial ao jogador Kaká, que sempre leva consigo a já conhecida camiseta com o texto “I belong to Jesus” (“Pertenço a Jesus”).

Outro crente é o zagueiro Lúcio, capitão do time, que dirigiu ritual religioso no centro do campo do estádio Ellis Park, de Johannesburgo, quando o Brasil venceu a Copa das Confederações.

A celebração gerou o protesto da Federação Dinamarquesa de Futebol, sob a alegação de que o futebol é uma coisa e a religião é outra e misturá-los é quase que converter o esporte num ato litúrgico.

Faz parte dos bastidores do mundo esportivo o fato de que na Alemanha, em 2006, que os atletas de Cristo da Seleção canarinho foram neutralizados por outro grupo de jogadores como Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e Adriano, que não saíam das discotecas, tanto que ficaram conhecidos como “ala dos festeiros”.

Com Dunga no comando técnico da seleção brasileira de futebol, o grupo de tendência pentecostal, presidido por Kaká, fortaleceu-se. Kaká já anunciou que, ao abandonar o futebol, será pregador evangélico.

Jogadores da equipe brasileira ficaram chateados com essa advertência, mas terão que se submeter à disciplina e deixar Deus fora do campo, se quiserem chegar à final sem contratempos

Evento : A Bíblia no Cinema - Com Paulo Nogueira



Para quem estiver em São Paulo, uma dica bastante interessante. O teólogo Paulo Augusto de Souza Nogueira, professor no curso de Ciências da Religião na Universidade Metodista de São Paulo, autor do já clássico " Experiência Religiosa e Crítica Social No Cristianismo Primitivo", estará debatendo o interessante tema A Bíblia no Cinema. Vale a pena conferir !





Do Portal Paulinas





A Bíblia no cinema

Sarau de Paulinas traz as considerações do teólogo Paulo Augusto de Souza Nogueira sobre as releituras e transformações do Livro Sagrado na película.


Segundo Sarau de Paulinas no ano terá como tema Bíblia no cinema – releituras e transformações com o teólogo Paulo Augusto de Souza Nogueira, na próxima sexta, 18, das 19h às 21h, no Auditório Paulinas Livraria - Rua Domingos de Morais, 660 - em frente ao metrô Ana Rosa.

Marcados sempre para o início da noite, os encontros serão presididos por especialistas em diversas áreas, como psicologia, religião e espiritualidade, saúde e literatura. Para este, Nogueira pretender apresentar uma esclarecedora análise sobre os muitos olhares que a Sétima Arte tem lançado à Bíblia.


Sarau Teológico: Bíblia no cinema – releituras e transformações
Com Paulo Augusto de Souza Nogueira
Data: 18 de junho
Horário: das 19h às 21h
Local: Auditório Paulinas Livraria - Rua Domingos de Morais, 660
Taxa: R$ 10,00 (com sorteio de brindes ao final).

Informações/inscrições: Tel. (11) 5081-9330 ou
promodomingos@paulinas.com.br



Sala de Imprensa

sábado, 12 de junho de 2010

A Mulher e o Cristianismo, um passeio pela história


Durante toda a Antiguidade, a mulher era vista de uma forma absolutamente negativa, em clara situação de inferioridade diante do homem. Platão, célebre filósofo grego, agradecia aos deuses pelo fato de ter nascido grego, livre e homem. Na mesma Grécia, notadamente em Atenas, a tão propalada “democracia”, excluía, dentre outros, às mulheres.

Entre o povo de Israel, a situação não era diferente. Organizado de forma patriarcal, o povo hebreu excluía a mulher tanto do exercício do governo civil, como de maior participação na esfera religiosa. Para Flávio Josefo, importante historiador judeu," a mulher possui, sob todos os aspectos, menor valor do que o homem”. Em sua vida religiosa e devocional, era equiparada a um escravo, sendo dispensada da Shema, tradicional prece judaica. Seu acesso ao templo limitava-se ao conhecido átrio das mulheres. Boa parte das correntes rabínicas considerava indigno ensinar a lei mosaica à mulher.

O único líder da antiguidade que concedeu dignidade e voz as mulheres, foi, sem dúvida alguma, Jesus Cristo. A situação da mulher no contexto cultural palestino era de completa submissão ao homem. No ambiente urbano, a mulher de forma alguma estabelecia contato direto com os homens. Em Jesus Cristo, notamos uma completa subversão deste quadro. Cristo falava publicamente com mulheres, possuindo inúmeras discípulas. Nutria uma relação de verdadeira amizade com as irmãs Marta e Maria, como fica claro no texto de Lucas 10.38. Sua elevada consideração para com as mulheres foi motivo de escândalo entre os discípulos homens. No evangelho de João 4.27, encontramos os seguintes dizeres: "Naquele instante, chegaram seus discípulos e admiravam-se de que falasse com uma mulher; nenhum deles, porém, lhe perguntou: Que procuras? Que falas com ela?" Sua mensagem de salvação e seus ensinamentos e milagres eram direcionados a todos, homens e mulheres. Não é de se estranhar que justamente o sexo feminino, tão desprezado e oprimido pelo homem, tenha sido escolhido por Deus para testemunhar o maior evento da história da salvação da humanidade: a ressurreição de Cristo! No entanto, certa interpretação literalista de determinados textos paulinos, principalmente em ambientes reacionários e fundamentalistas, tem passado a falsa impressão de que a mulher não possuía uma participação ativa na jovem comunidade cristã.

Esta idéia é completamente errônea. No Novo Testamento, encontramos as quatro filhas de Felipe que “profetizavam”, isto é, falavam em público. Em Romanos 16.7, nos deparamos com o nome de Júnia, com certeza uma mulher, entre os apóstolos. No mesmo texto, temos o exemplo de Febe, diaconisa da Igreja de Cencréia. Convém lembrar que o termo diaconisa empregado no texto citado vem do grego diakonos, que denota o título de ministra, e não de uma mera auxiliadora assistencial. Este termo não aparece em Atos 6, onde o serviço diaconal, como conhecemos nos dias atuais, era predominantemente assistencialista. O título de diakonos era exatamente o mesmo concedido a Paulo, Apolo e outros homens. Não bastando as fortes evidências bíblicas que nos mostram a autoridade concedida à mulher na igreja primitiva, temos o testemunho de muitos pais da igreja. Irineu de Lião, Orígenes e João Crisóstomo testemunharam à efetiva participação feminina na vida eclesial. Confirmando esta posição de destaque, a teóloga metodista mexicana Elsa Tamez transmite as seguintes informações:"No século III d.C, o bispo de Cesaréia, Firmiliano, menciona uma mulher da Capadócia que celebrara a Ceia do Senhor. Eram tempos de perseguição, e ela, corajosamente, reuniu os cristãos e incluiu a Eucaristia ou Ceia do Senhor na celebração. O bispo, assombrado, disse que ela o fez excelentemente. No século V, um bispo foi condenado por ordenar mulheres como sacerdotes. Parece que a ordenação de mulheres era um fenômeno generalizado”.

Fontes pagãs também atestam a importância feminina nos primórdios do cristianismo. Plínio, o Jovem, governador da Província Romana da Bitínia, informa ao imperador Trajano que duas ministras da Igreja Cristã foram torturadas.

Infelizmente, após a oficialização do cristianismo como religião oficial do Império Romano, a estrutura patriarcal e machista deste foi incorporada pela igreja. Deste período em diante, o papel da mulher dentro da igreja foi se restringindo à vida monástica. Mesmo assim, encontramos mulheres de grande influência e labor teológico, como Macrina, responsável direta pela formação espiritual de seus dois irmãos, Basílio, o Grande, bispo de Cesaréia, e Gregório de Nissa, conhecidos como “Grandes Capadócios”, verdadeiros gigantes da Igreja Oriental de fala grega.

Durante o período medieval, noviças de inúmeras ordens eclesiásticas desempenhavam um importante papel dentro da igreja. Porém, em situação de completa submissão ao clero masculino. Neste mesmo período, um grupo dissidente, que posteriormente iria abraçar oficialmente o protestantismo calvinista, concedia um elevado status para as mulheres.

Estamos falando dos valdenses, que possuíam inúmeras pregadoras no interior de seu movimento. Estas mulheres pregavam com autoridade para ambos os sexos. Com o início do movimento protestante do século XVI, esta situação, mesmo que timidamente, foi gradativamente alterada. Em seu programa de Reforma, Martinho Lutero aconselhou que os príncipes alemães organizassem escolas públicas para meninos e meninas. Nunca a educação formal de jovens garotas foi alvo de um programa sugerido por um líder religioso. Martin Bucer, reformador da cidade estado de Estrasburgo, elaborou um ousado plano eclesiástico em 1532, no qual estava prevista a ordenação de mulheres para o diaconato. João Calvino trocou correspondência com várias mulheres e, entre vários assuntos de natureza pastoral, até mesmo pontos teológicos foram debatidos. O mesmo Calvino escreveu na edição francesa de sua obra magna, as Institutas, datada de 1541, livro IV, capítulo XV, o seguinte pensamento:"E alguma vez vai chegar a hora em que seria melhor que a mulher falasse do que se calasse ”. Para o reformador de Genebra,a restrição paulina encontrada em poucos textos das Escrituras para a ordenação de mulheres ao oficialato não deveria ser vista como um dogma de fé, mas, sim, como uma convenção cultural de uma determinada época.

Esta postura de Calvino acabou influenciando inúmeras mulheres a desempenharem uma função prática de pastoras, mesmo que não fossem ordenadas para tal. É bastante interessante o relato da historiadora estadunidense Natalle Daves a respeito da participação feminina:"Algumas mulheres prisioneiras nas cadeias da França pregavam para grande consolo de ambos os ouvintes, homens e mulheres. O nosso jurista, ex-calvinista, Florimond de Raemond, deu vários exemplos, tanto de conventículos protestantes quanto de serviços reformados regulares - até o fim de 1572 - de mulheres que, enquanto esperavam a chegada de um pregador, subiam ao púlpito e liam a Bíblia. Uma teóloga até travou discussão pública com seu pastor. Finalmente, em algumas igrejas reformadas no sudoeste de Paris, numa área em que tecelões e mulheres tinham sido convertidos anteriormente, irrompeu um movimento para que leigos pregassem. Isto permitiria que ambos, mulheres e homens sem instrução, se levantassem na igreja e falassem sobre as coisas santas”.

Dentro da esfera calvinista, não podemos nos esquecer do nome da rainha de Navarra, Jeane d´Albret. Sem fazer uso da violência ou perseguição religiosa, Jeane estabeleceu oficialmente a fé reformada na região de Bearn, organizando a igreja segundo os moldes genebrinos. Sua influência era sentida tanto em assuntos burocráticos, como nos aspectos teológicos.

Com o passar do tempo,principalmente dentro do cristianismo protestante,a mulher,mesmo no meio de uma cerrada cruzada fundamentalista, tem conquistado seu espaço.No Brasil, denominações como Exército da Salvação, Igreja do Evangelho Quadrangular, Episcopal Anglicana, Metodista do Brasil,Evangélica de Confissão Luterana, Presbiteriana Unida, Presbiteriana Independente e inúmeras comunidades de orientação neopentecostal,ordenam mulheres ao ministério eclesiástico.

Apesar da forte pressão realizada por grupos progressistas, como a ONG feminista Católicas Pelo Direito de decidir e por vários teólogos de renome, como o suíço Hans Küng, a Igreja Católica Romana mantém uma postura radicalmente contrária a ordenação feminina.

Rogamos a Deus que a mulher não seja mais vitima de preconceitos machistas por parte da Igreja, mas que seu valor seja notado diariamente, assim como nos ensina o apóstolo Paulo: “Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.28).


ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

Paul Tillich e o batismo infantil



Ao contrário do senso comum de boa parte do povo brasileiro, o batismo infantil, também conhecido como pedobatismo, não é uma prática sacramental restrita ao catolicismo-romano ou a ortodoxia oriental. Grandes famílias confessionais, que se encontram dentro do universo protestante, mantiveram a aplicação deste sacramento aos infantes.


Luteranos, anglicanos, presbiterianos ou reformados (para os leigos, estes dois termos são sinônimos) e metodistas, são os grupos que, historicamente, administram o batismo infantil.

Esta prática é refutada por batistas e pentecostais, sendo motivo, infelizmente, de muita polêmica e desavença no mundo evangélico. Pelo fato de batistas e pentecostais formarem a maioria do segmento protestante brasileiro, dá-se a impressão de que esta forma de batismo seja estranha ao protestantismo.

A intenção deste post não é contar a história do batismo infantil, muito menos fazer a defesa de sua prática. Polemizar sobre esta questão vai contra a proposta ecumênica deste espaço, além de ser contra minha própria personalidade.

Apenas gostaria de mostrar a opinião de Paul Tillich a respeito do assunto. Na minha modesta opinião, Tillich foi um dos maiores pensadores cristãos de toda história. Teólogo e pastor luterano foi, também, filósofo de primeira linha. O mais interessante nesta questão referente ao pedobatismo, é que Tillich, costumeiramente detonado por cristãos fundamentalistas e mesmo conservadores, se aproxima, e muito, da concepção defendida pelos reformadores magistrais.

Em “História do Pensamento Cristão”, faz uma brilhante defesa histórica e sistemática do batismo infantil;

Lutero e toda a Reforma, incluindo Zwínglio, acentuaram o batismo infantil como símbolo da graça proveniente de Deus, significando que ela não depende de nossa reação subjetiva. Lutero e Calvino acreditavam que o batismo era um milagre divino. O importante é que Deus inicia a ação, coisa que pode muito bem acontecer antes de qualquer responso humano. O tempo que vai do evento do batismo até o momento indefinido da maturidade não tem a menor importância diante de Deus. O batismo é a oferta divina do perdão a que a pessoa deve retornar. O batismo de adultos, por outro lado, acentua a participação subjetiva com a capacidade do homem maduro para a decisão. (pág.240)

Quanta ortodoxia luterana, ou reformada, saída da pena do “liberal” Paul Tillich, não? Agora, com a palavra os fundamentalistas oriundos de denominações pedobatistas que adoram malhar o cara!


ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

Resenha : Jesus- David Flusser


A editora paulista Perspectiva tem como característica a publicação de títulos de altíssima qualidade acadêmica. Tenho alguns de seus livros ligados à área da História Geral. Um belo dia, em um dos meus intermináveis passeios por uma grande livraria da capital paulista, deparei-me com uma obra publicada por este selo que me chamou atenção; Jesus, de autoria do historiador David Flusser.

Como simples cristão e estudante de teologia, obviamente tal tipo de obra chamaria minha atenção de qualquer forma. Após passar alguns minutos, na verdade, quase uma hora folhando com máxima atenção seu conteúdo, tive a certeza de ter em minhas mãos um daqueles ilustres clássicos desconhecidos do grande público. Uma pena, pois a leitura da obra de Flusser é fundamental para uma real compreensão a respeito do Jesus Histórico.

A própria origem do autor, aliada às suas gritantes credenciais acadêmicas, torna este pequeno manual cientificamente confiável, já que não comporta uma orientação apologética tão comum em determinados autores cristãos. Flusser, judeu praticante natural da Áustria, foi um historiador de formação, sendo professor por um longo período na importante Universidade Hebraica de Jerusalém. Nesta instituição, foi responsável pelo Departamento de Religiões comparadas. Poliglota, afinal não é qualquer pessoa que tem o conhecimento de 26 idiomas, dominando fluentemente nove, traduziu para o grego parcela significativa dos Manuscritos do Mar Morto. Em 1980 foi agraciado com o importante Prêmio Israel em reconhecimento de seus serviços em prol da historiografia judaica.

Em Jesus, Flusser defende a tese de que uma exegese cuidadosa nos três primeiros evangelhos, denominados sinóticos, revelará não o Jesus messiânico ensinado pela tradição cristã, mas sim o Jesus judeu, que usava seu profetismo como uma forma radical de reforma na religião de Israel. Para Flusser, Jesus foi um judeu completamente comprometido com sua origem, não podendo ser encontrado no mesmo nenhum traço de ruptura.

Outra questão bastante interessante encontrada na obra, é a defesa da relevância dos evangelhos na composição da real imagem do Jesus Histórico. Para David Flusser, a despeito dos mitos existentes nos relatos evangélicos e da função proclamativa da mensagem cristã por parte da igreja, após uma leitura crítica é possível encontrar traços confiáveis do Jesus Histórico nestes textos sagrados. Em suma,mesmo não sendo relatos historiográficos de acordo com a moderna concepção do termo, os evangelhos trazem à tona muito do verdadeiro Jesus.

Sobre estas questões, vejamos o que o próprio Flusser tem a dizer;


Os primeiros registros cristãos sobre Jesus não são tão indignos de crédito como se costuma acreditar atualmente. Os três primeiros Evangelhos apresentam um retrato razoavelmente fiel de Jesus como um judeu típico de sua época, e também preservam consistentemente seu modo de falar sobre o Salvador na terceira pessoa. ( Jesus,pg 3)

ou;

A tradução grega de antigas fontes hebraicas foi utilizada por nossos três evangelistas. Assim, quando estudamos à luz de seu pano de fundo judaico, os Evangelhos Sinóticos preservam um quadro de Jesus que é mais confiável do que em geral se admite.

Por mais que tenhamos divergências com algumas premissas defendidas por Flusser, é impossível que qualquer pessoa interessada em conhecer um pouco mais a respeito da vida e obra de Jesus não devore este livro. Apesar de ser uma obra acadêmica,sua linguagem é de fácil compreensão, fazendo da leitura um exercício prazeiroso .

ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

TÍTULO : JESUS
AUTOR : DAVID FLUSSER
EDITORA : PERSPECTIVA
PÁGINAS : 264